Sergio A. Ribeiro “ Schelling”
O que sabemos do culto cristão nos dá uma idéia do modo como aqueles cristãos do primeiro século percebiam e experimentavam sua fé. Com efeito, quando estudamos o modo como a igreja antiga adorava, nós nos apercebemos do impacto que sua fé deve ter tido para as massas despojadas que constituíam a maioria dos fiéis. Desde o princípio, a igreja cristã costumava se reunir no primeiro dia da semana para "partir o pão". A razão pela qual o culto tinha lugar no primeiro dia da semana era que nesse dia se comemorava a ressurreição do Senhor. Logo, o propósito principal do culto não era chamar os fiéis à penitência, nem fazê-los sentir o peso de seus pecados, mas celebrar a ressurreição do Senhor e as promessas das quais essa ressurreição era a garantia. E por isso que o livro de Atos descreve aqueles cultos dizendo que " partindo o pão nas casas comiam juntos com alegria, e singeleza de coração" (Atos 2:46) . A atenção naqueles cultos de comunhão não se centralizava tanto nos acontecimentos de Sexta-feira santa como nos do domingo de ressurreição. Uma nova realidade havia amanhecido, e os cristãos reuniam-se para celebrá-la e fazerem-se participantes dela. A partir de então e através de quase toda a história da igreja, a comunhão tem sido o centro do culto cristão.
E somente em época relativamente recente que algumas igrejas estabeleceram a prática de se reunir para adorar aos domingos sem celebrar a comunhão. Além dos indícios que nos oferece o Novo Testamento e que são de todos conhecidos, sabemos acerca do modo em que os antigos cristãos celebravam a ceia do Senhor graças a uma série de documentos que perduraram até nossos dias. Mesmo que não possamos entrar em detalhes acerca de cada um destes documentos, e das diferenças entre eles, podemos assinalar algumas das características comuns, que parecem ter formado parte de todas as celebrações da comunhão. A primeira delas, a que já nos aludimos anteriormente, é que a ceia do Senhor era uma celebração. O tom característico do culto era o gozo e a gratidão, e não a dor ou a compunção. No princípio, a comunhão era celebrada em meio de uma refeição. Cada qual trazia o que podia, e depois da comida em comum, celebravam orações sobre o pão e o vinho. Já em princípios do século segundo, entretanto, e possivelmente devido, em parte, às perseguições e às calúnias que circulavam acerca das "festas de amor" dos cristãos, começou a se celebrar a comunhão sem a refeição em comum. Mas sempre se manteve o espírito de celebração dos primeiros anos. Pelo menos a partir do século segundo, o culto de comunhão constava de duas partes. Na primeira liam-se e comentavam-se as Escrituras, faziam-se orações e cantavam-se hinos.
A segunda parte do culto começava geralmente com o ósculo da paz. Logo alguém trazia o pão e o vinho para frente e os apresentava a quem presidia. Em seguida, o presidente pronunciava uma oração sobre o pão e o vinho, na qual se recordavam os atos salvívicos de Deus e se invocava a ação do Espírito Santo sobre o pão e o vinho. Depois se partia o pão, os presentes comungavam, e se despediam com a benção. Naturalmente, a esses elementos comuns acrescentavam-se muitos outros em diversos lugares e circunstâncias. Outra característica comum do culto nesta época é que só podia participar dele quem tivesse sido batizado. Os que vinham de outras congregações podiam participar livremente, sempre e quando estivessem batizados. Em alguns casos, era permitido aos convertidos que ainda não tinham recebido o batismo assistir à primeira parte do culto - isto é, as leituras bíblicas, as homilias e as orações - mas tinham que se retirar antes da celebração da ceia do Senhor propriamente dita.Outro dos costumes que aparece desde muito cedo era celebrar a ceia do Senhor nos lugares onde estavam sepultados os fiéis já falecidos. Esta era a função das catacumbas. Alguns autores dramatizaram a "igreja das catacumbas", dando a entender que estas eram lugares secretos em que os cristãos se reuniam para celebrar seus cultos escondidos das autoridades. Isto é um exagero. Na realidade as catacumbas eram cemitérios e sua existência era conhecida pelas autoridades, pois não eram só os cristãos que tinham tais cemitérios subterrâneos. Mesmo que em algumas ocasiões os cristãos tenham utilizado algumas das catacumbas para se esconder dos seus perseguidores, a razão pela qual se reuniam nelas era que ali estavam enterrados os heróis da fé.
OS BATISMOS: Segundo já foi dito anteriormente, só quem havia sido batizado podia estar presente durante a comunhão. No livro de Atos, vemos que tão logo alguém se convertia era batizado. Isto era possível na primitiva comunidade cristão, aonde a maioria dos conversos vinha do judaísmo, e tinha, portanto, certo preparo para compreender o alcance do Evangelho. Mas conforme a igreja foi incluindo mais gentio tornou-se cada vez mais necessário um período de preparo e de prova antes da ministração do batismo. Este período recebe o nome de " catecumenato”, e no princípio do século terceiro durava uns três anos. Durante este tempo, o catecúmeno recebia instrução acerca da doutrina cristã, e tratava de dar mostras em sua vida diária da firmeza de sua fé. Por fim, pouco tempo antes do seu batismo, era examinado - às vezes em companhia de seus padrinhos - e eram admitidos na classe dos que estavam prontos para serem batizados. Em geral, o batismo era ministrado uma vez ao ano, no domingo da ressurreição, ainda que logo e por diversas razões se começasse a ser ministrado em outras ocasiões.
A PRÁTICA DA ADORAÇÃO: Deus mandou que seu povo, sob a Antiga Aliança, cumprisse ao pé da letra todas as suas instruções a respeito da adoração. Ele advertiu Moisés sobre a construção do Tabernáculo. Tinha de ser " segundo a tudo o que eu te mostrar para modelo de todos os seus móveis, assim mesmo o fareis" (Êx.25:9). Os detalhes que Deus comunicou ao chefe da nação foram dados para que o povo não se desviasse em nenhum ponto da vontade estipulada por Deus. O temor de Deus arraigado no coração do piedoso israelita, não permitia que ele desobedecesse conscientemente qualquer regrinha que regulamentava o ritual dos cultos (Dt.6:1,2). Foi Deus quem planejou a participação dos sacerdotes e levitas no culto que Ele mandou que oferecessem (Nm. 8:1 I Cr. 9:33 23:5 II Cr. 29:25, etc.) Após a leitura do Antigo Testamento, estranhamos o fato de não descobrirmos no Novo Testamento regras explícitas para nos informar que tipo de culto Deus quer. Numerosas pesquisas, feitas com o intuito de descobrir as diretrizes que devem reger a forma de adoração realmente neo-testamentária, criam pouca convicção além daquela formada na cabeça do estudioso. Ele descobre, geralmente, o que procura. Tudo isto poderia levar-nos a desvalorizar a prática nos cultos da igreja primitiva. Mesmo assim, cremos que é válido examinar as indicações sobre as formas de adoração nos escritos dos apóstolos. Após o derramamento do Espírito Santo no dia de Pentecoste, a igreja de Jerusalém " perseverava na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações" (At.2:42). Este verso nos traz um breve esboço dos componentes do culto primitivo. As práticas sob a tutela dos apóstolos fornecem-nos um fundamento geral, mas seguro. Adoração, para manter o padrão apostólico, deve se aprimorar no ensino, comunhão, celebração da ceia e oração.
A DOUTRINA DOS APÓSTOLOS: Adoração e doutrina apóiam-se mutuamente, porque um culto oferecido na ignorância evapora (Jo.4:22 At.17:23), carece de substância e de verdade. Doutrina não significa apenas granjear informação. Não foi uma aula bíblica acadêmica que os apóstolos ministraram, mas ensinamentos junto com apelos aos discípulos para que acatassem as diretrizes do Senhor. Quando igrejas do século XX dão uma ênfase exagerada à transmissão da informação e não à sua expressão, elas promovem depressão espiritual. Jesus convocou os seus discípulos a " discipularem todas as nações" (Mt. 28:19). O primeiro passo foi o batismo que representava um compromisso público, total, com Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito. Em seguida, Jesus ordenou aos apóstolos que ensinassem aos futuros discípulos da segunda geração a " guardar todas as coisas" que Ele ensinara a seus seguidores. Esses ensinos foram exemplos práticos em torno de uma nova compreensão do relacionamento com Deus. Dentro do culto primitivo, os novos discípulos recebiam a orientação sobre a vida consagrada, que glorifica a Deus (I Pd.1:16). Quando os assistentes novatos no culto da igreja de Jerusalém ou Antioquia ouviam pela primeira vez : " vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas" (Mat.11:28), certamente sentiram o impulso do Espírito para renovarem sua confiança em Jesus, e queriam entender num sentido prático o que significaria levar o "jugo suave" do Senhor. A adoração, na prática, deve dar lugar central à palavra de Deus porque ele assim ordena. "Pregue a Palavra" (II Tm.4:2) representa a preocupação de Paulo com a igreja de Éfeso. Um homem que almeja a pastorada precisa ter uma qualidade que lhe recomende a conduzir os cristãos num culto verdadeiro. Ele deve ser apto para ensinar. Ensino requer entendimento, explicação, relacionamento entre o ouvinte e o Pai.
COMUNHÃO - A CEIA DO SENHOR: Junto com o serviço da palavra, a primeira igreja da história perseverava na comunhão (At.2:42). Lucas explica algo mais a respeito desta comunhão nos versos subseqüentes. Os crentes ficavam juntos indica que estavam juntos como família de Deus, isto é, regularmente, e tinham tudo em comum. Marshall sugere que " não seria surpreendente... que pelo menos outro grupo contemporâneo judaico, a seita de Cunrã, adotasse este modo de vida." A adoração genuína conduz-nos à lembrança de que não somos de nós mesmos. Fomos comprados por preço infinitamente alto. Conseqüentemente, somos escravos de Deus e dos membros do Seu Corpo. Ações de graça pelo sacrifício do Filho de Deus incitam os filhos beneficiados a indagar como se desincumbir da obrigação imposta. Que presente digno devemos trazer para o altar cristão? O pano de fundo da eucaristia cristã descobre-se na refeição da Páscoa. Esta celebração consistia de duas partes: primeira, "enquanto comiam", e segunda, "depois de cear" (I Cor.11:24). O que Jesus insistiu originalmente era repetido como duas partes de uma refeição maior - ágape ou “ festa “de amor”, com a intenção de beneficiar os cristãos mais carentes da igreja. Esta refeição, que substituiu a Páscoa dos judeus, era tomada diária ou semanalmente. Percebe-se pela leitura de I Cor. 11:17-22, que esta refeição era a " Ceia do Senhor", que reunia todos os membros da família de Deus. além de relembrar a morte de Jesus e a inauguração da Nova aliança, a Ceia confirmava, de maneira inconfundível, que todos os participantes tinham uma vida em comum.
Ricos e pobres, livres e escravos, todos se comprometiam diante de Deus a ter e manter uma responsabilidade mútua, uns pêlos outros. O caráter dessa refeição não se evidencia somente numa dramatização do sacrifício único do Filho de Deus pêlos nossos pecados, mas era também uma demonstração da adoração que tem implicações horizontais. Daí, o veemente protesto de Paulo, em Corinto, diante da negação na prática da comunhão que a ceia devia demonstrar. "... não é a ceia do Senhor que comeis. Porque ao comerdes, cada um toma antecipadamente a sua própria ceia" (I Cor. 11:20). Agindo assim, profanavam o Corpo de Cristo formado pela morte e ressurreição. Comiam e bebiam juízo para si. Os cristãos que comem juntos no culto são integrados num corpo comparável ao corpo humano. Uma vida ou personalidade ocupa a unidade física humana, de tal forma que nenhuma parte pode se desligar sem prejuízo para as outras, nem podem desprezar uma à outra, nem devem ter inveja.
AS ORAÇÕES: Um dos elementos que têm destaque no culto da igreja primitiva é a oração. O judeu do primeiro século dificilmente podia imaginar um culto sem orações, pelo menos na sinagoga. Conseqüentemente, era natural que os primeiros cristãos continuassem essa prática, ainda que com algumas modificações. A importância básica das orações é notada no nome "lugar de oração" (At.16:13). Em Filipos, uma colônia romana, não havia os dez homens necessários para formar uma sinagoga, mas havia um lugar de orações, onde mulheres se reuniam. Paulo e Silas não sentiram nenhum embaraço ao participarem desse primeiro culto "ecumênico", transformando o que antes era especificamente judaico em culto cristão. Daquele local foi feito um palco para anunciar o evangelho. Jesus ensinou que a oração deve ser particular (Mat.6:6) e pessoal. Ele pouco falou sobre oração em comunhão com outros irmãos, com exceção da famosa afirmativa: "Se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer coisa que porventura pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai que está nos céus"(Mat.18:19), relacionada com o contexto de disciplina na igreja. Sua própria prática foi de orar sozinho, num monte ou lugar afastado (Lc.6:12).Ainda que pensando num sentido mais geral, a oração se distingue da adoração pela preocupação do suplicante com suas necessidades, enquanto a adoração conceitua a alma sobre seu Deus. Um comentário puritano sobre o Salmo 107 dizia: "A miséria instrui maravilhosamente a pessoa na arte de orar". Mas as orações bíblicas valorizam a comunhão com Deus. Como aparelhos complicados, projetados para uma função particular, deixamos de alcançar o objetivo de nossa existência fora da comunhão que a oração cria. Egoísmo, soberba e murmuração aniquilam a comunhão. Somos então como quem tenta martelar um prego com sabonete. Orar de verdade quer dizer abandonar a rebelião e aceitar a reconciliação. Jesus quis ensinar, acerca da oração, a verdade incomparavelmente preciosa de que Deus deseja nossa comunhão. Ele nos ama mais do que um pai humano é capaz (Lc.11:11-13). Ele deseja ouvir as nossas necessidades e supri-las (Mat.7:7-11). Amar a Deus acima de todo objeto por ele criado só pode significar que ele quer ser conhecido e desejado pelas suas criaturas. Por isso, as orações dos santos são qualificadas como o incenso que enche os vasos de ouro nas mãos dos 24 anciãos que rodeiam o trono do Senhor do universo (Apc.5:8). O altar de incenso do propiciatório simbolizava o prazer com que Deus recebia os louvores e petições do seu povo.
O CÂNTICO NO NOVO TESTAMENTO: Surpreendentemente encontramos poucas referências ao cântico no Novo Testamento. Os evangelistas relatam que Jesus cantou um hino (Mat.26:30 Mac.14:26) após a celebração da Páscoa. Paulo e Silas "cantavam louvores a Deus" na prisão em Filipos, na contundente ocasião após seu espancamento e antes do terremoto que abriu as portas da prisão. Acreditamos que essa música evangelística concorreu para a conversão do carcereiro (At.16:25). O autor de Hebreus cita Salmo 22:22 : "Cantar-te-ei louvores no meio da congregação" (2:12). Paulo cita o Salmo 18:49: "... cantarei louvores ao teu nome"(Rm.15:9). Mas, ainda que referências à música sejam raras no Novo Testamento, seguramente o soar de vozes em louvor a Deus teve muito destaque nos cultos dos primórdios da igreja. "Cânticos espirituais" (Cl.3:16), surgiram, provavelmente, por inspiração imediata do Espírito Santo. W.Lock identifica tais composições como semelhantes a alguns cânticos preservados no Novo Testamento. No Apocalipse, várias referências aos cânticos dos adoradores celestiais revelam características de exultação e júbilo na contemplação da vitória retumbante de Deus e Seu Filho sobre todas as forças do maligno. Os "salmos" (Cl.3:16) provavelmente são os mesmos do Antigo Testamento, amados por nós e lidos em nossos cultos. Ocasionalmente cantamos porções de alguns salmos.
Nas igrejas que se reuniam nas casas, no primeiro século, o entoar de salmos deve ter sido comum, "formando parte dos cultos religiosos e da fraternidade cristã". Nas sinagogas, os judeus cantavam salmos, como também os essênios do Mar Morto. Os "hinos" também, provavelmente, referem-se aos hinos de louvor a Deus e a Cristo, compostos espontaneamente por cristãos no momento do culto, ou em outras horas. McDonald escreve: "É de se esperar a priori, que um movimento que suscitou tanta emoção, lealdade e entusiasmo, encontre expressão em cântico". Avivamentos e despertamentos religiosos, com o passar dos séculos, estimularam o louvor por meio da música; seria estranho se no primeiro século não houvesse aparecido expressões musicais para tornar a adoração mais real e agradável. Estas três palavras, "salmos, hinos e cânticos"(Cl.3:16), tomadas juntas, descrevem de modo global o âmbito da adoração expressa pela música e estimulada pelo Espírito. Os termos “espirituais” referem-se a todas as formas de expressão de louvor contidas nos três termos, ainda que não possamos precisar as formas exatas da expressão musical.
O CULTO E OS DONS ESPIRITUAIS: Passando a descrição do culto em Atos para Romanos e I Coríntios, descobrimos que o exercício dos dons do Espírito deve ser encarado como uma expressão de culto a Deus. Somente no caso dos dons serem motivados por amor genuíno pelos irmãos e por Deus é que podemos encaixá-los no quadro de um culto genuíno, "em Espírito e em verdade". Paulo lembra aos romanos que a oferta de seus corpos a Deus é um ato de adoração espiritual, se, contudo, esses mesmos corpos estiverem sujeitos à Cabeça para servir, profetizar, ensinar, exortar, contribuir, presidir e exercer misericórdia (Rm.12:1-8). Certamente a lista pode ser estendida para incluir todo e qualquer ministério. A vida do cristão, se não se isolar da família de Deus, nem se separar do próprio Senhor, expressará adoração nas reuniões ou nas atividades do dia a dia.A significação dos cultos nos quais a congregação se reunia alcançou relevância particular na concentração de vozes louvando e ensinando juntas, com corações sedentos, aprendendo e aplicando a palavra. Era uma ocasião apropriada para o treinamento dos santos para servirem a Deus dentro e fora das reuniões. Os dons de apóstolo, profeta, evangelista, pastor e mestre cooperam e fecundam no centro do culto para encorajar o bom ajustamento, o auxílio de toda junta e a cooperação de cada parte, o que "efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor"(Ef.4:16).
O CULTO NA IGREJA COMPARADO AO CULTO JUDAICO: O cristianismo é bipolar pela sua própria natureza. Esses dois polos são o conteúdo da fé, fundamentado na sua mensagem revelada, e a adoração prática, através da qual o cristão e Deus mantêm comunhão. Ambos os polos não são fortalecidos repelindo-se ou ignorando-se, mas são vitalizados por apoio mútuo. A avaliação de W.Tozer sobre a adoração do cristianismo evangélico como "a jóia perdida" reflete a dicotomia insalubre entre a verdade proclamada e a vitalidade da adoração, hoje. Podemos criticar a observação: "Em toda a parte os cristãos estão perdendo o interesse, passando a simplesmente simular na igreja", pois milhares de protestante, católicos e cristãos ortodoxos estão satisfeitos em participar de maneiras vazias, porém rígidas, com apenas uma vaga percepção do conceito bíblico de adoração em Espírito e em verdade. De um modo geral, os cristãos não estão conscientes de que sua adoração reflete a teologia prática da comunidade onde estão inseridos. O cunho puritano no dito "a finalidade principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre" é inequívoco. Os puritanos focalizaram o significado da existência inteira do homem em glorificar a Deus e deleitar-se em sua comunhão, porque este era o único resultado prático de suas crenças. A adoração centralizada no homem tende a negar a realidade do coração que confessamos.
De um lado, a lei ameaça deslocar a graça como o motivo fundamental para se adorar a Deus. Tanto o hábito quanto a busca da paz espiritual devem ser suspeitos quando procuramos uma base lógica e bíblica para adorar a Deus. Em resumo, a liturgia é teologia representada, a resposta humana a Deus e ao seu favor. As formas persistem enquanto o conteúdo evapora ou muda o seu centro de Deus para o homem. Assim, o liberalismo nega realidade de um Deus que está presente. Fazendo assim, não pode evitar transmutar as verdades religiosas em mitos. O resultado é visto em toda parte na secularização do "pós-cristão que atingiu a maioridade". A teologia da libertação procura contextualizar a adoração num programa de ação sócio-político. Assim, o despertamento da consciência torna-se identificável com a percepção de Deus no processo da história. Os evangélicos têm tendência de separar a centralidade do senhorio de Cristo. Biblicamente fundamentada, do viver cotidiano, de modo que a adoração se torna, com efeito, compartimentada em cápsulas de uma hora de duração, não sendo levado em consideração quão importante pode ser o ato de se "invocar o nome do Senhor juntos". Mas o Novo Testamento projeta uma visão de adoração que invade toda a vida com a presença e a glória de Deus. O objetivo desse estudo é mostrar, através de um exame dos conceitos de tempo, templo, sacrifício e sacerdócio, como o Novo Testamento refundiu as formas vétero-testamentárias da adoração sem anular a importância da reunião da igreja.
CONCLUSÃO
A Bíblia apresenta a questão do culto de Gênesis a Apocalipse. Das ofertas de Caim e Abel até a adoração dos seres celestiais. No transcorrer da história bíblica, Deus vem ensinando o seu povo a cultuá-lo. No Velho Testamento, as formas exteriores do culto eram as mais enfatizadas. Percebemos que elas tinham um objetivo didático a fim de trazer à percepção humana realidades espirituais. No Novo Testamento, a utilização de tais recursos fica reduzida a um número bem pequeno. Na Nova Aliança, o culto é, antes de tudo, uma forma de vida. Seja o comer, o beber, o falar, tudo deve ser feito para a glória de Deus. Não obstante, as reuniões da igreja, que chamamos de cultos, têm grande importância nesse contexto. Elas constituem o culto coletivo, oportunidade de comunhão e ensino. Sua ênfase é espiritual e não tanto ritual. Assim sendo, dependemos do Espírito Santo para realizarmos um culto aceitável diante de Deus. Em outras palavras, o culto verdadeiro é aquele cuja essência provém do próprio Deus e a ele retorna.
BIBLIOGRAFIA
UMA HISTÓRIA ILUSTRADA DO CRISTIANISMO
Gonzalez, Justo L. - Edições Vida Nova
ADORAÇÃO BÍBLICA
Shedd, Russel P. - Edições Vida Nova
TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO
Westermann, Claus
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