Publicado em outubro 20, 2013 por raizes hebraicas
“Retendo firme a fiel palavra, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina, como para convencer os contradizentes.“ Tito 1:9
Nessa carta ao jovem pastor Timóteo, Paulo escreve: “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido,” (porque conheces bem aqueles que te ensinaram, no grego) 2 Tim 3:14. Apesar de Timóteo ter dito um pai grego, sua mãe, Eunice, era judia devota (confira Atos 16:1 e 2 Tim 1:5) como a mãe se encarregava de ensinar as escrituras sagradas no ambiente doméstico, Timóteo foi exposto as escrituras e cultura hebraica desde sua infância, parte importante de sua herança. Mais tarde em sua vida adulta Timóteo é exortado por Paulo a não deixar sua herança e ensina-la as gerações futuras sem dilui-la ou corrompe-la. “E o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros,” 2 Tim 2:2.
Um estudo cuidadoso dos últimos 19 séculos vai revelar como a igreja abandonou sua herança hebraica e se distanciou consideravelmente do povo e cultura semítica apesar de ter nascida dentro da mesma. A igreja deu pouco importância a exortação de Paulo a Timóteo em preservar e continuar ensinar suas origens hebraicas. Ao invés disso a medida que o tempo passou a igreja adaptou-se e absorveu a filosofia grega com seu crescimento e conquista dos povos no mediterrâneo. Ralph Stob, um filósofo cristão escreve: “O elemento espiritual grego teve grande influência na igreja nos primeiros 3 séculos de sua história, heresias começaram a penetrar, a igreja se tornou vulnerável a tais heresias porque tinha cortado suas raízes com a fonte que lhe deu vida no seu início. Quando o cristianismo cortou suas raízes com o povo hebreu, tornou-se distorcido. Até o dia de hoje colhemos frutos dessa distorção, com freqüência ficamos confusos quando tentamos entender um livro hebraico com uma perspectiva e cultura grego-romana, esse processo criou uma “esquizofrenia espiritual” “
Esse estudo, com a finalidade de discussão, trata de 3 áreas em que a igreja de hoje necessita de correção, redireção e retorno as raízes hebraicas, são elas:
1 – Unidade dinâmica x dualismo
2 – Espiritual x mundano
3 – Individualismo x coletividade
Essas áreas serão abordadas com o intuito de entender as implicações bíblicas afim de viver uma vida cristã saudável dentro e fora das comunidades cristãs.
1 – Unidade dinâmica x dualismo.
Devemos enxergar o mundo como uma unidade dinâmica. Ao crescer num mundo ocidental é praticamente impossível não ser influenciado pelo formato grego-romano de analise e raciocínio, temos grande admiração por Platão e outros filósofos gregos. O grande impacto de tais não só influenciou o passado antigo mas continua influenciando nosso presente, devemos a Platão e seus discípulos um grande legado no que se refere a razão, as faculdades da mente, verdade, sabedoria e beleza mas infelizmente essa forma de pensamento tem uma perspectiva dualística do mundo, o que afetou a igreja primitiva de forma negativa.
O platonismo basicamente diz que há dois mundos, um visível ou material e outro invisível, espiritual. O visível é uma extensão do invisível, por causa das imperfeições no mundo material, fonte do mal, ele é inferior ao espiritual que é perfeito. Essa visão afirma que o a “alma” tem origem no domínio celestial de onde ela caiu no mundo material. Embora os seres humanos tem relação com os dois mundos, eles almejam serem liberados do mundo material de seus corpos físicos, para voltarem a ser novamente “almas” retornando para o mundo celestial e divino. Platão comparou o corpo humano a uma prisão da alma, a alma imortal, pura foi encarnada num corpo imperfeito, a salvação acontece quando a “alma” escapa na morte do corpo e volta para o mundo invisível das “almas” no mundo espiritual.
A influência de Platão teve grande difusão durante os primeiros anos da história da igreja primitiva, fato esse inegável. De acordo com Werger Jaeger, (The Greek Ideas of Immortality, Harvard Theological reviwe pg 146) “um ponto mais importante na história da doutrina do cristianismo é que o pai da teologia cristã foi Orígenes (Alexandria, Egito c 185, teólogo) foi um teólogo e filósofo platônico na escola de Alexandria. Ele inseriu na doutrina cristã o drama cósmico da alma.
Ao contrário da visão grega o povo hebreu via o mundo como sendo bom, embora caído e necessitado de remissão, foi criado por D-us que tinha as melhores intenções ao criar os seres humanos, então ao invés de estar fugindo do mundo, deveríamos experimentar comunhão e amor com nosso criador. Conforme o pensamento hebreu o ser humano é uma unidade dinâmica de alma-corpo chamado para servir a seu criador apaixonadamente dentro do mundo material.
I – Gozar a vida ou não gozar?
O dualismo de Platão trouxe de forma sutil o ascetismo ou asceticismo – é uma filosofia de vida na qual são refreados os prazeres mundanos. Esse estilo de vida presente em muitas igrejas ainda hoje está em forte contraste com o estilo de vida do povo hebreu das escrituras. O gozar da vida é rejeitado em favor da mortificação das “coisas da carne”, o desejo físico e prazer são considerados satisfações indignas que só resultam no aprisionamento da alma com as coisas materiais.
Então para evitar tal aprisionamento uma pessoa tem que se restringir e negar tudo que lhe dá prazer porque pode atrapalhar a vida “espiritual”. Razão pela qual foram criados os mosteiros anos mais tarde, onde o indivíduo, nega-se a si mesmo, passa horas em silêncio e isolado do mundo, ali ele poderia dominar a “carne” e crescer espiritualmente.
O apóstolo Paulo em colossenses 2:21 (Não toques, não proves, não manuseies?) combatia tal atitude dentro da igreja que tinha sido influênciada por tal filosofia. Infelizmente ela continuou enraizada na igreja, na época da reforma protestante o erudito Erasmus escreveu: “o cristianismo dos seus dias tinha que ser definido não por – Ame seu próximo como a si mesmo. Mas – abstenha-se de queijo e manteiga e coma lentilhas” Até mesmo o grande Jhon Wesley carregava em sua teologia um pouco de ascetismo, ele escreve: “tenha cuidado em desejar qualquer coisa que não seja D-us. Não admita nenhum desejo pela comida ou outro tipo de prazer…”
As escrituras de forma geral reflete uma realidade totalmente diferente do ascetismo, embora o prazer físico não ser a razão porque vivemos, devemos receber e afirmar o mesmo com gratidão ao criador. A bíblia nos adverte a não nos tornamos escravos dos prazeres e das possessões materiais (I Tim 6:9-10) “Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína.Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores.” Mas a solução bíblica para o desejo das coisas materiais não é a negação de tais, mas sim um coração humilde que reconhece que tudo que temos e somos vem do Senhor. São dadivas!
As escrituras hebraicas são bastante “mundanas”, Gênesis 1:28 dá a diretriz ao ser humano; estabeleça a raça humana na terra e não fuja dela. Confira: “Assim diz o Senhor, teu redentor, e que te formou desde o ventre: Eu sou o Senhor que faço tudo, que sozinho estendo os céus, e espraio a terra por mim mesmo;” Isa 44:24. O Senhor está interessado em todos os aspectos da vida humana, tendo nos dado tantos prazeres para desfrutarmos, assim revelando seu amor por nós. Eclesiastes 2:24 diz: “ Não há nada melhor para o homem do que comer e beber, e fazer com que sua alma goze do bem do seu trabalho. Também vi que isto vem da mão de Deus.” Até mesmo um amigo de Davi de 88 anos de idade bem próximo de sua morte mostra sua preocupação em estar hábil para gozar a vida comendo, bebendo e cantando (2 Sam 19:32-37).
Dentro dessa riqueza cultural e tradição, Jesus confirma a criação e a ordem material no seu tempo aqui na terra. Nos evangelhos lemos de camponeses, pescadores, flores, pássaros, casamentos, comida, bebida, celebração etc… o Senhor do universo não é só o invisível mas também tangível e terreno. Ele não chamou homens e mulheres para escapar desse mundo mas sim para agir dentro dele de forma responsável e grata pelas benções materiais que o Senhor criador derramou sobre eles. Como Paulo disse; “Portanto, ninguém se glorie nos homens; porque tudo é vosso;” 1 Cor 3:21. Com freqüência muitos cristão estão tão preocupados com as coisas “espirituais” que se esquecem de aproveitar as dadivas do Senhor e serem gratos a Ele pelas mesmas.
Uma demonstração clássica desse dualismo é quando alguém em sua comunidade precisa de algo tangível na sua vida material; exemplo, uma visita, uma ajuda financeira, uma oportunidade de emprego etc… muitos na comunidade se oferecem a ajudar com uma oração ou com uma promessa de compromisso de oração diária por esse/aquele problema. Então o que se originou no “mundo material” será resolvido no “mundo espiritual”, aqui vemos a confusão que o dualismo causa. Tiago diz “Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras.” Tiago 2:18. Se está no teu poder de fazer algo concreto por aquela pessoa e você não o faz sua oração não vale de nada. Afinal o Senhor não tem mãos, pernas e boca, Ele usa seus servos, você! Para ir, agir e falar por Ele. Claro que se você estiver disposto.
“Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo? E, se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento quotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos, e fartai-vos; e nào lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí? Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma.” Tiago 2:14-17.
II – Casar ou não casar?
Outro aspecto em que o dualismo afetou a igreja foi na vida familiar. Como dito antes a filosofia grega via o corpo como inferior ao espirito, estavam constantemente em atrito, o corpo era repugnante, corruptível e fonte de pecado. Com o crescimento da igreja e absorção dos gentios chegou ao ponto onde a igreja tinha mais adeptos de origem gentílica do que hebraica, com pouco tempo dessa transformação demográfica a liderança foi assumida por gentios, então todo o conceito de vida familiar e casamento começou a ser moldado dentro da filosofia grega. O casamento começou a ser visto com uma certa desconfiança e um mal necessário, era uma forma inferior de vida porque era a manifestação do consentimento dos desejos carnais. Por falta de entendimento o casamento passou a ser uma relação questionável ao invés de um presente do Senhor para ser desfrutado. Gen 1:31.
A bíblia afirma claramente a instituição do casamento como sendo, santa, honrosa e imaculada. 1 Tim 4:3-4, Heb 13:4. Ela nunca tratou o corpo humano e suas funções de forma vergonhosa e obscena, o livro Cânticos dos cânticos celebra a sexualidade e o amor humano de forma arrojada. O povo hebreu vivia um vida física repleta de prazeres mas não de forma hedonista, o povo hebreu diferente dos povos do mediterrâneo não ensinavam o celibato como forma superior de vida.
As páginas da história da igreja revelam como a comunidade cristã gentílica torceu o conceito judaico do casamento, vejamos alguns exemplos através dos séculos:
1- Padre e freiras que faziam de castidade eram vistos como pessoas mais próximas de D-us porque eles negavam os prazeres desse mundo de tentações. Alguns desses evitam até mesmo tomar banho com medo de se verem nus e assim pecarem. Alguns mais radicais pregaram que o casamento era uma forma de vida poluída e que um pessoa não poderia ser salva se vivesse esse tipo de relacionamento.
2 – Jerónimo de Estridão (c. 347 – 30 de setembro de 420) escreveu “Aquele que ama sua esposa de forma fogosamente é um adultero” (My beloved is Mine: Judaism and Marriage) pg 176.
3 – Agostinho de Hipona (13 de novembro de 354 – 28 de agosto, 430) escreveu “Os patriarcas do povo hebreu teriam preferido fazer a vontade de D-us do que multiplicar e crescer…. eles devem ter tido relações sexuais com relutância só para fazer o mandamento de D-us de multiplicar.
4 -Tomás de Aquino 1274, escreveu “cada ato carnal feito é um vicio da natureza que gravita em direção ao homicídio”.
5 – Martinho Lutero 1546, escreveu “…o celibato é o remédio para o desejo carnal… a cura para os desejos sexuais reprimidos que atormenta a vida de cada ser humano”, “não importa o louvor que é dado ao casamento, eu não vou conceber que não seja um pecado”.
6 – Em tempos modernos o Papa Pius XII escreveu “censuro severamente aqueles que apesar dos ensinamentos da igreja, dão preferência ao casamento acima do principio da virgindade” Afirmações como essas mostram que o princípio do celibato ainda é bastante reverenciado entre alguns cristãos.
A igreja católica até os dias de hoje prega a perpétua virgindade de Maria, nessa visão dualista do mundo onde o corpo humano é associado com o pecado, Maria nunca poderia ter tido relações sexuais or conceber filhos. Portanto os filhos que ela teve que bíblia menciona em Mat 13:55-56 eram filhos de um casamento anterior de José. Resumindo a igreja ao abandonar as raízes hebraicas que a sustentavam se expôs a ensinamentos estranhos que ao passar dos séculos se infiltraram em sua doutrina e distorceram sua identidade. Portanto há uma urgente chamada ao regresso as suas raízes.
Baseado do Livro “Our Father Abraham” de Marvim R Wilson. Chapter 10.
(Encorajo aos que entendem inglês a ler esse livro)
Tradução livre A.S.A.
Fonte: https://raizeshebraicas.com/2013/10/20/onde-a-igreja-primitiva-errou/
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