Olhou para a mesinha ao lado da cama, cheia de remédios. Espessa camada de pó pelo quarto. Os cabelos ralos daquela que lhe deu à luz. Os olhos fundos, a pele enrugada. O cigarro apagado no cinzeiro lotado de baganas.
Chorou.
Sua mãe que partiu, assim como chegou.
Chegou sem nada. Partiu sem nada.
Era tão boa e solidária. Cuidava dele e dos outros com o mesmo amor.
Acreditava em Deus, mas o cigarro não largava.
A cada tragada, seu coração tão bom doía.
Mas ainda fumava.
E morreu. Morreu fumando no quarto empoeirado.
Uma Bíblia surrada sobre a cama.
Páginas amarelas pelo tempo.
Muitas anotações
Muito lida. Mas ainda fumava.
No coração de Gustavo, uma raiva crescia.
Pq Deus lhe levara aquela que ele amava?
Pq não teve misericórdia daquela que tanto bem fazia?
Só pq fumava?
Foi levada pelo câncer que a consumia.
Que Deus é esse que deixa uma pessoa tão boa morrer assim?
Sozinha, largada e solitária.
Chorou com lágrimas de ferro
Soluçou o gosto amargo da morte.
Se fosse possível agredir a Deus ele o faria...
Num papel surrado e amassado um endereço havia.
Irmão Guilherme, ele dizia.
Quem era irmão Guilherme?
O que ele fazia que fosse digno de sua mãe ter o endereço?
Seria ele um curandeiro?
Ou um desses pastores famosos, que cura dor de amor e trás o amor de volta em poucos dias?
Do tipo que cura COVID, câncer e até alergias?
Queria respostas.
Pegou seu 38, pôs o cigarro entre os dentes e partiu.
O irmão Guilherme teria respostas. Ou morreria.
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