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terça-feira, 15 de setembro de 2020
André e Ana Paula Valadão: onde (e como) os discursos de ódio nascem
A pastora e cantora Ana Paula ValadãoImagem: Reprodução/Instagram
Ronilso Pacheco
15/09/2020 11h01
Ana Paula Valadão e André Valadão não são pessoas sem noção ou ignorantes, são pessoas preconceituosas. Vivem em um mundo paralelo, privilegiado, rico e arrogante, de onde parecem olhar e julgar todas as formas de vida.
A recente declaração de André Valadão sobre a igreja não ser lugar para gays, assim como o video em que Ana Paula faz a associação entre AIDS e homossexualidade, são sinais expressivos de como muitas igrejas contribuem para pessoas gays continuarem no limbo do preconceito e do estigma, e para mascarar a homofobia com suposta defesa de "princípio bíblico".
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Ana Paula Valadão é a pastora da ostentação das roupas caras, das profecias em que "Deus" lhe orienta a comprar botas de caubói e de couro de cobra, que diz que ser pastor gordo não combina com liderança, que justifica sua ida para morar em Dallas (EUA) como "plano de Deus", para ela ser instrumento contra uma suposta "batalha espiritual" contra um tal "Exu Boiadeiro" que teria um tripé fincado em três cidades, Dallas, Madri, na Espanha, e Barretos, no Brasil.
André Valadão é o pastor que propôs um "Fé Card", um cartão de empréstimo consignado vinculado a uma empresa de crédito. No púlpito, e durante o culto, André Valadão fazia propaganda do cartão como quem faz uma mensagem sobre salvação. Isso é tão distante de qualquer mensagem de Jesus lida no Novo Testamento que fica difícil avaliar.
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Neste nível de situação, Ana Paula e André Valadão deveriam ser responsabilizados. O que André Valadão recomenda para a comunidade gay é gueto, segregação, distanciamento. Isto é tão covarde quanto desonesto. O que Ana Paula afirma sobre gays é negação da vida social das pessoas, é uma acusação pública tão estúpida que atropela a ciência e o bom senso em nome de um fundamentalismo doentio e nocivo.
Crer na homossexualidade como pecado, segundo a maneira que eles leem a Bíblia, é um direito que os irmãos Valadão têm. E destaco que é "segundo a maneira que eles leem a Bíblia", porque a afirmação de que a homossexualidade é "pecado" está longe de ser um consenso entre lideranças evangélicas, inclusive estudiosos e teólogos. Esta compreensão está muito mais impregnada por tradições de leituras construídas socialmente do que explicitamente na Bíblia. Ela é uma interpretação e não um fato. A fé e a religiosidade não podem blindar figuras públicas que reforçam preconceito e homofobia.
É impossível que Ana Paula e André Valadão não façam ideia do sofrimento causado por pais e mães evangélicos que não sabem como lidar com os próprios filhos e filhas sobre este assunto, diante do que acreditam que a Bíblia diz segundo a orientação de suas lideranças. Impossível que eles desconheçam a dor que chega a causar expulsão de casa, conflitos infindáveis, sentimentos mútuos de culpa e ressentimento.
É muito improvável que eles sejam tão ignorantes a ponto de não perceberem o quanto o "armário" é uma metáfora de repressão e sofrimento, de quem não pode ser ele mesmo ou ela mesma, porque a aceitação lhes custa caro.
Que neste momento, na Igreja Batista Lagoinha, e em muitas outras igrejas, algum jovem ou alguma jovem está morrendo por dentro, porque precisa performar uma heterossexualidade inexistente, para permanecerem como membros, para não perderem cargos na igreja, para não "frustrarem" familiares, para serem respeitados como gente.
Associar AIDS e homossexualidade não é apenas fora de moda, fora de contexto ou retrógrado, é a perversidade de quem ostenta uma fé fútil e inconsequente.
Não é o meu tio evangélico que, em um almoço de família, diz que gays são culpados pela AIDS, é uma cantora que tem quase três milhões de seguidores só em uma rede social. Com esse nível de alcance e repercussão, chega a ser criminoso, porque dá o combustível perfeito para os discursos de ódio.
Não é apenas porque a OMS declarou que homossexualidade não é doença. Não é exigência politicamente correta. Não é repressão à convicção religiosa. É, no mínimo, bom senso diante do respeito à vida das pessoas. Não houve uma única frase dos irmãos cantores gospel em solidariedade aos mais de 100 mil mortos pela covid-19 no Brasil. Nem uma música, nem uma mensagem, sermão, nada.
Por isso é perversidade. Porque eles são livres e inteligentes o bastante para escolherem negar ou serem indiferentes ao luto e consolo público à milhares de familiares que perderam pessoas, muitas delas, certamente, fãs ou admiradores dos louvores cantados por eles, em vez de darem mais munição a discursos homofóbicos que causam sofrimento, preconceito, violência e rejeição.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.
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