segunda-feira, 26 de dezembro de 2022
A Igreja de Cristo
Definição de igreja
O termo "igreja" é uma tradução da palavra grega "ekklesia" que significa "os chamados para fora". Nos tempos antigos, na Grécia, a palavra "ekklesia" se referia a um grupo de cidadãos livres convocados para uma assembleia com a finalidade de tratar assuntos públicos. É algo semelhante às assembleias nos condomínios residenciais dos nossos dias só que com uma dimensão muito maior. Portanto, "ekklesia" era uma assembleia dos cidadãos de um Estado autônomo (cidade ou região). Todavia, o Novo Testamento deu um conteúdo espiritual para a palavra "ekklesia" que passou a significar "um povo chamado para fora do mundo pecaminoso". Das 114 vezes que a palavra "ekklesia" aparece no Novo Testamento apenas três é com o sentido secular acima citado (At 19:32,39,41) e outras duas como uma referência à assembleia dos judeus (At 7:38; Hb 2:12).
Também precisamos esclarecer o que Igreja não é:
1) Não é uma denominação. É comum se referir às denominações como igrejas, essa maneira de usar a palavra "igreja" não aparece nas Escrituras. Henry C. Thiessen, teólogo batista, afirmou em seu livro “Palestras em Teologia Sistemática” que não há na Bíblia Sagrada relato de nenhuma denominação e que "devemos sempre nos lembrar que originalmente o Senhor preveniu contra tais divisões (1Co 1:1-17)” (Thiessen, 291);
2) Não é uma continuação melhorada do judaísmo, embora haja muitos irmãos que assim entendem. Compreendemos que o cristianismo é um vinho novo que foi colocado em odres novos (Mt 9:17);
3) Não é o Reino. Agostinho foi que começou a ensinar que a Igreja é o Reino de Deus sobre a terra, isso no início do século V (Willey, 474). É a Igreja Católica que faz essa confusão. Alguns em nossa família na fé também estão confusos e deles divergimos. O Reino é muito mais do que a Igreja. O Reino é o domínio ou governo de Deus, existe desde a eternidade, é invisível e espiritual. Quando a Igreja foi fundada em Atos 2, cerca de 33 d.C., o Reino já existia:
a) A Igreja começou com Jesus, é composta dos discípulos de Cristo e anuncia as boas novas do Reino (At 8:12; 19:8; 20:25; 28:23,31);
b) A Igreja testemunha do Reino (Mt 24:14);
c) A Igreja é o instrumento do Reino por onde o poder do Espírito Santo é manifestado através dos crentes (Mt 10:8; Lc 10:17);
d) A Igreja é a guardiã do Reino (Mt 16:19).
igreja universal e local
No Novo Testamento a palavra "igreja" é aplicada a um grupo de cristãos de qualquer tamanho:
1) Um pequeno grupo que se reúne em uma casa (Rm 16:5; 1Co 16:19);
2) Em uma cidade inteira (1Co 1:2; 2Co 1:1; 1Ts:1);
3) Em uma determinada região geográfica (At 9:31);
4) Ou no mundo inteiro (Mt 18:18; Ef 5:25).
Em sentido universal ou geral a "igreja" é representada por algumas figuras como:
1) Edifício de Deus (1Co 3:9,16,17; 2Co 6:16; Ef 2:20,22; 1Tm 3:15);
2) Corpo de Cristo (Ef 1:22-23; 3:6; 4:4,12,16; 5:23,30; Cl 1:18,24; 2:19; 3:15; 1Co 12:12-27; Rm 12:4);
3) Noiva de Cristo (2Co 11:2-3; Ef 5:24-25,31-32; Ap 19:7) entre outros.
Portanto, se conclui que a Igreja é universal (no mundo inteiro) e local (casa, cidade ou região geográfica).
O início da igreja e sua organização
A Igreja no sentido universal e o surgimento da primeira igreja local são coincidentes. A Igreja foi:
1) Fundada por Cristo (Mt 16:18; At 20:28b);
2) Estabelecida na cidade de Jerusalém, na Palestina, atual Israel (At 1:2);
3) Por volta do ano 33, nos dias dos reis romanos (Dn 2:44; At 2:1-47).
Portanto, nenhuma denominação ou grupo sectário tem o direito de dizer que é a Igreja verdadeira ou a única igreja (Thiessen, 296).
A Igreja em Jerusalém foi a primeira igreja local e:
1) Reunia-se no Templo e de casa em casa (At 2:46-47);
2) O número de membros passou dos primeiros 120 discípulos para 3.000 (Atos 2:41);
3) Depois o número de homens subiu para quase 5.000 (At 4:4);
4) Tinha um padrão doutrinário definido, os irmãos tinham comunhão e oravam juntos (At 2:42);
5) Praticavam o batismo nas águas (At 2:41);
6) Observavam a Ceia do Senhor (At 2:42,46);
7) Mantinham registro do número de membros (At 2:14,41; 4:4);
8) Reuniam-se para o culto (At 2:46);
9) Socorriam os necessitados (At 2:44-45);
10) Os apóstolos eram seus líderes, mas também escolheram diáconos (At 6:1-7).
Logo outras igrejas locais foram estabelecidas na:
1) Judéia (Gl 1:22; 1Ts 2:14);
2) Samaria (At 8:1,4-25);
3) Antioquia da Síria (At 11:20-30; 13:1);
4) Por toda a Ásia Menor, Macedônia, Grécia, Itália, Espanha e vários outros países foram estabelecidas e organizadas igrejas locais.
Os princípios de organização vistos na Igreja em Jerusalém acima, também são identificados nas demais. São evidências que indicam o fato da organização das igrejas os seguintes fatores:
1) Em todas elas eram eleitos oficiais eclesiásticos (At 14:23; Tt 1:5):
a) Na Igreja em Jerusalém além dos apóstolos foram eleitos diáconos (At 6:1-7);
b) Na Igreja em Éfeso havia presbíteros (At 20:17);
c) Na Igreja em Antioquia profetas e mestres (At 13:1);
d) Na Igreja em Filipos bispos e diáconos (Fp 1:1);
2) Tinham dia certo para a adoração e celebração congregacional (Jo 20:19,26; 1Co 16:2; At 20:7);
3) Mantinham um padrão de conduta e exerciam a disciplina (1Co 14:34; Mt 18:17; 1Co 5:13; Rm 16:17);
4) Levantam recursos para a obra do Senhor (1Co 16:1-2; 2Co 8:7-9; 9:6-7);
5) Enviavam cartas de recomendação umas às outras (At 18:24-28; 2Co 3:1; Rm 16:1-2; At 15:22-29).
Tudo isso evidencia algum tipo de organização (Thiessen, 297).
O fundamento e o cabeça da igreja
Certa vez Jesus perguntou aos discípulos o que o povo dizia sobre quem ele era (Mt 16:3-19). Depois de ouvir as várias respostas, Jesus fez a mesma pergunta para eles. Pedro disse: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (Mt 16:16). A esta declaração Jesus respondeu: "E sobre esta pedra edificarei a minha igreja" (Mt 16:18b). Várias outras passagens se referem a Cristo como uma rocha (Is 28:16; 1Pe 2:6; At 4:11-12) e o apóstolo Paulo em 1Co 3:10-17 afirma quem é o fundamento da Igreja dizendo: "Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo" (1Co 3:11).
Alexander Campbell, o principal teólogo da Igreja de Cristo no século XIX, foi inquirido sobre quem é cristão e ele respondeu dizendo:
“Um cristão é todo aquele que crê em seu coração que Jesus de Nazaré é o Messias, o Filho de Deus vivo, que se arrepende de seus pecados e lhe obedece em todas as coisas de acordo com a medida do seu conhecimento e com toda sua vontade.”
Para ele o reconhecimento de Cristo como Messias era a base para se unir à igreja. Assim, o essencial para nós é a confissão de fé afirmando o senhorio de Jesus Cristo. Como Alexander Campbell, também ensinamos que não se deve exigir nada mais para aceitar alguém na comunhão, pois a irmandade não pode ser condicionada a credos humanos. Portanto, o fundamento da Igreja é a afirmação de Pedro quando confessou a Cristo como o Messias, o Filho do Deus vivo. Jesus Cristo também é o Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo, e somente a Ele a igreja está subordinada (At 2:14-35; Ef 5:22-23; Cl 1:13-20).
O governo da igreja
As denominações ou comunhões cristãs têm muitas formas de governo:
1) A Igreja Católica Romana tem um governo mundial sobre a autoridade do Papa;
2) A Igreja Episcopal tem bispos com autoridade regional e acima deles os arcebispos;
3) A Igreja Presbiteriana dá autoridade aos presbíteros na igreja local, aos Presbitérios a autoridade regional e aos Concílios a autoridade nacional;
4) As Igrejas Batistas, Congregacionais e muitas outras igrejas independentes não têm nenhuma autoridade acima da igreja local e a maioria delas têm um só pastor com um grupo de diáconos.
Embora alguns irmãos insistam que o Novo Testamento não prescreve nenhuma forma específica de governo das igrejas, mas sim princípios gerais de organização, nós entendemos que há um modelo neotestamentário: o governo congregacional representativo (a pluralidade de presbíteros na igreja local com funções de ensino e governo auxiliados pelos diáconos). O Novo Testamento mostra claramente essa pluralidade de presbíteros:
1) Em cada igreja (At 14:23);
2) Em cada cidade (Tt 1:5);
3) “Chame os presbíteros da igreja” (Tg 5:14);
4) “Rogo-vos, pois, aos presbíteros que há entre vós” (1Pe 5:1).
Os presbíteros dirigem a igreja local e têm autoridade para isso conferida pelo Senhor Jesus (At 20:28; Hb 13:17). Nesse sistema há sempre mais de um presbítero e o "pastor" ("pastor titular" ou "presidente") é um deles. Ele não tem autoridade sobre os demais nem trabalha para eles como empregado. Sua função é diferenciada pelo fato de trabalhar em tempo integral na "pregação e ensino" (1Tm 5:17) e desse trabalho deriva parte ou toda a sua renda (1Tm 5:18).
A missão da igreja
A missão das Igrejas de Cristo sobre a terra é, prioritariamente, glorificar a Deus (Rm 15:6,9; Ef 1:5-6,12,14,18; 3:21; 2Ts 1:12; 1Pe 4:11). Glorificamos a Deus:
1) Adorando-o (Jo 4:23-24; Fp 3:3; Ap 22:9);
2) Anunciando as boas notícias do Evangelho aos perdidos (Mc 16:15; At 5:42; 8:4);
3) Edificando os santos (Ef 4:15-16; 1Co 14:26);
4) E ajudando os pobres e necessitados (1Tm 5:816; Tg 1:27; At 6:1-6; Gl 6:10).
A colaboração entre as igrejas
Nos tempos do Novo Testamento cada igreja local era independente da outra, mas mantinham relações cooperativas umas com as outras. A Bíblia Sagrada fornece os princípios para a cooperação entre as igrejas:
1) Na solução de problemas como na eleição de Matias como substituto de Judas (At 1:12-26);
2) Na assistência às viúvas pobres (At 6:1-6);
3) No relato da conversão dos primeiros gentios (At 11:1-18);
4) Nas questões doutrinárias polêmicas com a formação do primeiro concílio das Igrejas de Cristo (At 15:1-35);
5) Na expansão do Reino de Deus com o envio de missionários (At 13:1-3);
6) No sustento dos mesmos (2Co 11:8-9; Fp 2:25; 4:15-18);
7) No encontro em Trôade (At 20:4-7)
8) No relatório da primeira viagem missionária (At 14:21-28);
9) Também podemos ver a cooperação como meio de assistência às igrejas (At 12:22-26; 14:21-23; 2Co 11:28).
A unidade da igreja
A unidade da Igreja é uma doutrina neotestamentária ensinada com muita clareza (Jo 17:20-21; Cl 1:18; 3:15; 1Co 12:13; Rm 16:17-18; Tt 3:10-11). Porém, não há unidade na Igreja de Deus em nossos dias. O autor da Teologia Sistemática mais aceita entre os batistas no final do século XX comenta sobre esse paradoxo dizendo:
“Vemos incontáveis denominações, às vezes bem semelhantes quanto ao ensino, competindo umas com as outras. E os relacionamentos entre os membros da Igreja local são às vezes caracterizados por indiferença e a até hostilidade aberta” (Ericksson, 438).
Mas, como surgiu o denominacionalismo? Confira abaixo uma explicação de como surgiu a Teoria Denominacional da Igreja:
“A palavra ‘denominação’ para descrever um grupo religioso passou a ser utilizada por volta de 1740, durante o início do Reavivamento Evangélico liderado por John Wesley e George Whitefield. Mas a teoria em si foi elaborada um século antes por um grupo de líderes radicais puritanos na Inglaterra e na América do Norte. O denominacionalismo, como originalmente era designado, é o oposto do sectarismo. Cada seita clama para si, exclusivamente, a autoridade de Cristo. Acredita-se que é o verdadeiro corpo de Cristo; toda verdade lhe pertence, e não a nenhuma outra religião, Portanto, por definição, a seita é exclusiva. A palavra ‘denominação’ é, por sua vez, um termo inclusivo. Ela implicava que cada grupo cristão chamado ou ‘denominado’ por um nome particular era apenas um membro de um grupo grande – a igreja à qual todas as denominações pertencem. A teoria denominacional da igreja insiste em que a verdadeira igreja não pode se identificar com uma única estrutura eclesiástica. Nenhuma denominação pretende representar toda a igreja de Cristo... Os verdadeiros arquitetos da teoria denominacional da igreja foram os Independentes ‘congregacionalistas’ do século XVII, que representavam a voz minoritária na Assembleia de Westminster (1642-1649). A maioria da Assembleia concordava com os princípios presbiterianos, e expressou suas convicções classicamente na Confissão de Fé de Westminster e no grande e no pequeno catecismo de Westminster... Essa fraternidade dissidente de Westminster articulou a teoria denominacional da igreja em algumas verdades fundamentais. Primeiro, considerava-se a incapacidade do homem de sempre enxergar a verdade com clareza, diferenças de opinião sobre a aparência da igreja são inevitáveis. Segundo, apesar dessas diferenças não envolverem fundamentos da fé, não são de menor importância. Cada cristão deve praticar aquilo que ele acredita que a Bíblia ensina. Terceiro, como nenhuma igreja detém a definitiva e completa verdade divina, a verdadeira igreja de Cristo nunca pode ser totalmente representada por apenas uma estrutura eclesiástica. Finalmente, o simples fato de separação, em si, não constituir cisma. É possível haver divisões e ao mesmo tempo estar unido em Cristo... Essa visão denominacional da igreja só encontrou pouca aceitação na Inglaterra onde a igreja desfrutava de uma posição favorável, mesmo depois que o Ato de Tolerância de 1689 reconheceu os direitos dos presbiterianos, congregacionalistas, batistas e quakers adorarem livremente... Poucos defensores da visão denominacional da igreja do século XVII vislumbraram as centenas de grupos cristãos que há hoje... Eles simplesmente sabiam que a intolerância tradicional e o derramamento de sangue em nome de Jesus não deveriam continuar. A forma denominacional da igreja, no final das contas, marcou os recentes séculos da história cristã não devido ao seu ideal, mas por ser melhor do que qualquer outra alternativa que tenha surgido” (Shelley, 340-342).
A Bíblia, todavia, não fala em nenhuma denominação e já vimos que a Igreja não é uma denominação. Portanto, “como crentes, deveríamos estar perseguindo a unidade, pois essa é a vontade declarada de Cristo para a Igreja” (Ericksson, 438). Por isso concordamos com Millard J. Erickson:
“Com certeza, os crentes devem desejar e buscar a concretização de uma unidade espiritual e, na medida do possível, o reconhecimento e a comunhão mútua. Cada pessoa e congregação terá que determinar até que ponto o envolvimento maior e a atividade cooperativa são coerentes com a preservação de suas convicções bíblicas e com o cumprimento da tarefa dada pelo Senhor” (Ericksson, 439).
As Igrejas de Cristo no Brasil ensinam o conceito que a Igreja é uma irmandade universal, demonstrando-o por meio da cooperação com as igrejas de outras comunhões, mantendo normas éticas de respeito e boa vontade para com elas. Também cremos na possibilidade da unidade de todos os cristãos e nos confraternizamos com pessoas de outras denominações cristãs, mediante a adoração, o estudo bíblico, a missão e o serviço, sempre que possível.
Todavia, não podemos e nem devemos esquecer a nossa herança na Reforma Presente do século XIX (Movimento de Restauração ou Movimento Stone-Campbell) que é caracterizado pela defesa do retorno ao Evangelho e à Igreja do Novo Testamento, apelo este que sempre fez parte da mensagem das Igrejas Cristãs e Igrejas de Cristo, desde seu início cerca de duzentos anos atrás, e que deve continuar sendo feito por nós hoje, sem nenhum sectarismo ou proselitismo, até vermos a plena unidade cristã ou Jesus voltar.
Pedro Agostinho Jr.,
Pastor da Igreja de Cristo
Fontes:
THIESSEN, Henry C. Palestras em Teologia Sistemática, Editora Batista Regular.
JIMENEZ, Pablo A. El Bautismo en la Iglesia Cristiana (Discípulos de Cristo), disponível na internet no site www.disciples.org .
ERRETT, Isaac. Nossa Posição: uma sinopse da fé e da prática da Igreja de Cristo, disponível na internet no site www.movimentoderestauracao.com .
SOTO, Fernando. La Reforma Presente (citando “Memoirs of Alexander Campbell”, de Robert Richardson).
JIMENEZ, Pablo A. La Cena del Señor en la Iglesia Cristiana (Discípulos de Cristo), disponível na internet no site www.disciples.org .
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática, Vida Nova.
SIZEMORE, Denver. Lecciones de Doctrina Bíblica, volumen I, American Rehabilitation Ministries and The American Bible Academy, Joplin, Missouri (citando “Los Padres Apostólicos con Justino Martir y Irenaeus” de A. Cleveland Moxe, pág. 185 e 186).
ERICKSON, Millard J. Introdução à teologia sistemática, Vida Nova.
SHELLEY, Bruce L. História do Cristianismo ao alcance de todos: uma narrativa do desenvolvimento da Igreja Cristã através dos séculos, Shedd Publicações.
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