terça-feira, 23 de janeiro de 2018

O EVANGELHO DE TOMÉ




António Monteiro

A incredulidade de São Tomé,

como se tornou popularmente conhecido, por Caravaggio ( 1571 – 1610)


INTRODUÇÃO


O chamado Evangelho de Tomé é um apócrifo, pois não faz parte do cânone definido pela Igreja de Roma porque, em sua opinião, não foi inspirado por Deus; mas é, de facto, um apócrifo no verdadeiro sentido do termo grego de que deriva, pois é um texto oculto, secreto, reservado a iniciados nos mistérios, como o autor define logo no início ao dizer “Estas são as Sentenças ocultas [logo, secretas] que o Jesus vivo proferiu (e) quem encontrar a (sua) interpretação (...) não experimentará a morte”, e não a encontrará porque terá já alcançado um elevado grau de iniciação.




Trata-se de uma colecção de 114 Sentenças[1] de Jesus, algumas com correspondência nos evangelhos canónicos, principalmente nos sinópticos, na sua maioria de difícil, ou mesmo impossível interpretação para não iniciados[2].




O Evangelho de Tomé foi escrito por volta do ano 140 A.D., tendo sido citado por alguns Padres da Igreja, como Orígenes (185-254), até que em 787 foi considerado herético pelo Segundo Concílio de Niceia. Porém, a despeito da sua antiguidade, apenas foi parcialmente conhecido no Ocidente em 1920, quando o professor H. G. Evelyn White, da Universidade de Cambridge, publicou The Sayings of Jesus from Oxyhrynchus, uma tradução em inglês de dois papiros em grego do século III, onde constam, somente, 14 Sentenças, e que foram descobertos, em mau estado, entre 1896 e 1907 na famosa estação arqueológica de Oxyrhynchus[3]. O texto completo apenas foi conhecido do grande público em 1981, quando a Harper Row, Publishers publicou The Nag Hammadi Library, a tradução em inglês dos cinquenta e dois tratados, escritos em copta, encontrados próximo de Nag Hammadi [4].




O Evangelho de Tomé é um texto gnóstico que reflecte ensinamentos de uma escola de mistérios maiores, cuja espiritualidade me parece superior à de João[5], porque, enquanto este define, no prólogo, o âmbito cósmico e a intemporalidade do trabalho do Cristo, e realça a sua analogia com o Verbo, o autor do Evangelho de Tomé vai muito mais alto e encoraja os crentes a procurar conhecer Deus através das capacidades que lhes foram divinamente concedidas; aliás. o Evangelho de João é muito mais acessível a um não iniciado do que o Evangelho de Tomé.



O autor




Quer o manuscrito grego de Oxyrhynchus, quer o tratado copta de Nag Hammadi[6] começam com a frase “Estas são as Sentenças secretas que foram ditas por Jesus vivo”; o primeiro prossegue dizendo “que Judas, que é também Tomé, escreveu”, e o segundo diz “que Dídimo Judas Tomé escreveu”.




Tendo em atenção que Tomé é um termo aramaico que significa gémeo, duplo, tendo sido transliterado para grego como Thomas, e dídimo é uma palavra grega que tem precisamente o mesmo significado, é evidente que quem escreveu as Sentenças originais foi Judas e não Tomé, pelo que este texto deveria chamar-se Evangelho de Judas e não Evangelho de Tomé como consta de todas as traduções em línguas modernas que consultei e que parece estar universalmente aceite, o que me constrange a manter este título apesar de incorrecto. Como era prática corrente naquele tempo, nenhum dos documentos trás o nome de quem, cerca do ano de 140, reproduziu as Sentenças originais.

A questão que se levanta é qual dos dois apóstolos chamados Judas as registou: penso que tenha sido Judas Tadeu porque tinha um irmão, o apóstolo Tiago[7], do qual, segundo uma velha tradição, seria gémeo, o que explicaria os apostos Tomé e Didimo que os distinguiam do outro Judas, o Iscariote.




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A versão que apresento é uma compilação de diversas traduções, as quais, porém, apresentam algumas diferenças; aliás, as 14 Sentenças de Oxyrhynchus também diferem das suas correspondentes de Nag Hammadi. 

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